Após o Concílio Vaticano II, a teologia da Missão definiu-se em torno de três elementos fundamentais: a sua fonte trinitária, a sua identificação com a promoção e os valores do Reino e a sua peregrinação pelos caminhos dos homens, ou seja, a sua encarnação na história.


Fundamentos da espiritualidade missionária


O elemento contemplativo da Missão
Era frequente, antes do Vaticano II, fundamentar a Missão no mandato de Cristo de anunciar o Evangelho a todos os povos. Ora, o Decreto Conciliar Ad Gentes fez retornar a Missão à sua verdadeira fonte: a Trindade. A Igreja é, por natureza, missionária, pois tem a sua origem na Missão do Filho e do Espírito Santo, segundo o desígnio do Pai (cf. AG 2). O Concílio situou a Missão na sua verdadeira fonte: ela nasce em Deus, é dom de Deus. A nossa colaboração missionária consiste apenas em deixarmo-nos envolver por esse dom.


Antes de ser uma atividade, a Missão é contemplação e disposição para mergulhar no projeto e na bondade de Deus. O missionário não é o protagonista da Missão, somente Deus o é. A iniciativa de Deus antecipa, acompanha e leva a bom termo a Missão. Antes de se entregar aos homens que quer evangelizar, o missionário se entrega a Deus, de quem está enamorado. São João desenvolveu esta teologia da Trindade como fonte da Missão. No prólogo do seu evangelho, ele declara a origem, a finalidade e as dimensões cósmicas da Missão do Verbo.


Toda a realidade criada é fruto dessa Palavra encarnada. A Palavra penetra toda a história humana e todas as realidades, oferecendo-lhes a abundância e a plenitude do dom de Deus. Ela abraça a história humana: “fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Ao longo deste evangelho, a Missão do Filho comunica o profundo mistério do Pai. Essa filiação vai fecundar toda a história humana. Se, por um lado, a Missão está situada no coração da Trindade de Deus, por outro, tem o seu termo no coração do homem.


Esta leitura contemplativa da Missão faz com que ela seja um mistério, uma amizade que se descobre à medida que nos abrirmos a ela, e lhe entregarmos o coração. De fato, em João, os discípulos, em vez de serem chamados, como nos sinóticos, são atraídos, são seduzidos por Jesus.
Aprofundando esta amizade, eles entram na Missão: “Mestre, onde moras?”. “Vinde e vede!”.


É preciso entrar na casa do Mestre. No evangelho de João, a Missão é diálogo, encontro, partilha. Ela não se impõe. Só a amizade pode motivá-la. O diálogo é o espaço privilegiado para Jesus comunicar o dom do Pai. No episódio da Samaritana (Jo 4,1-42), Jesus, pelo diálogo, acompanha as pessoas na sua própria descoberta e pede licença para entrar na história de cada um.


Promoção dos valores do Reino
A Missão de Cristo foi proclamar e inaugurar o Reino de Deus, que envolve os homens e a Criação. A família humana tem origem divina; todos foram criados à imagem e semelhança de Deus e refletem sua imagem, cristãos ou não. Ninguém é excluído do plano da salvação, que é único e universal. A Missão da Igreja insere-se nesse projeto divino, que ultrapassa as fronteiras da Igreja e atinge as dimensões do Reino. Deus chegou a todos os povos, antes de o missionário ter chegado lá, “de um modo que só Ele conhece”.


A tarefa da Igreja não é levar Deus, mas descobrir e fazer crescer a presença e a ação de Deus. Este Espírito de Deus continua atuando na história, nas culturas e nas religiões. Ele fecunda as sementes do Verbo, presentes na Criação inteira, nos ritos e nas culturas, nas aspirações e nas esperanças da humanidade, e as faz amadurecer em Cristo (cf. Dei Verbum, 8). É papel do missionário encontrar os valores que comprovam a passagem do Espírito pelo povo, antes dele ter chegado lá. Essas mediações de Deus, que precedem o missionário, são os valores que articulam o seu viver, como a paz, a justiça, a solidariedade, a partilha, os valores do Reino.


O diálogo inter-religioso e intercultural aparece como uma via para conhecer outros espaços do Espírito, outros modos de Ele comunicar o amor do Pai, onde a Igreja ainda não chegou, nem Cristo foi anunciado ou compreendido... O missionário deve identificar essas marcas do Espírito e fortificá-las. Deus já está em diálogo com o povo. O serviço missionário não é interpor-se entre Deus e o povo, mas facilitar e ajudar nesse diálogo. É preciso respeitar a liberdade de Deus, já presente na liberdade das pessoas que procuram responder à sua maneira. Mais que destruir muros, o papel do missionário será aprender a ver por cima deles, como Deus vê.


Depois que a Missão foi reconhecida, sobretudo pela eficácia das suas obras: promoção da saúde, do ensino, agrícola, literária, artística, etc., emerge hoje uma nova imagem da Missão. A Missão como testemunho das Bem-Aventuranças e dos valores do Reino. O Evangelho é muito mais uma maneira de ser e de se situar frente aos grandes valores, do que capacidade para atuar. Abrir-se ao Espírito Santo é, hoje, a sua essência.


Pelos caminhos da humanidade


João Paulo II tem repetido que “o homem é o caminho que a Igreja deve percorrer para cumprir a sua Missão”. Trata-se do homem e da mulher concretos, marcados pelo tempo em que vivem, pela cultura que os identifica e os distingue no espaço e no tempo, integrados numa rede de solidariedades concretas, tais como a terra, a língua, a família, a etnia, a cultura. É europeu, asiático, africano, latino-americano... Tem rosto, tem nome e tem voz. A Missão deve atingir este homem e esta mulher nas suas raízes culturais, na linguagem que eles falam, nos seus problemas, nos caminhos por onde passa a sua vida.


A sua conversão ao evangelho não vai mudar a sua identidade, nem fazer deles pessoas desenraizadas ou expatriadas. Antes de serem evangelizados, eles tinham os sinais do amor de Deus, que os chamou à vida e os criou à sua imagem e semelhança, até mesmo desconhecendo-O. A Criação é o primeiro gesto missionário de Deus. Nós não chegamos à vida como náufragos à praia, para ali encalhar. A Criação é o berço que Deus preparou para cada um dos seus filhos e filhas.


Com a encarnação de Jesus, que se faz homem e assume a condição humana, Ele completa, em cada um, essa filiação com que nos gerou, quando nos chamou à vida. O mistério da encarnação e da redenção não atinge só os batizados: toda a humanidade é tocada por esta graça. Nascida ali, a Igreja será filha do povo no qual entra; terá a sua cor e o seu modo de se situar no mundo. Será a história daquele povo, da sua cultura, do seu viver que Cristo vai assumir, como o fez na Palestina. Por isso, o modelo desta Missão é a encarnação de Cristo.


Não se trata, portanto, de aproveitar só alguns valores dispersos, e adaptá-los ao evangelho, mas de fazer transparecer o Cristo em todos os seus valores culturais. O Vaticano II voltou-se decididamente para o homem contemporâneo, e as situações concretas que este homem vive indicarão os passos que a Missão deve percorrer. É uma Missão contextualizada, interpelada por múltiplas fidelidades, com muitos rostos, tantos quantos são os caminhos percorridos pelo homem de hoje.


Alguns pontos de convergência da espiritualidade missionária
A missão é fruto de uma experiência que se vive e do Espírito que sopra onde quer. É um caminho pessoal e eclesial no seguimento de Cristo, descoberto no dia-a-dia da vida, no qual se misturam alegrias e esperanças, certezas e dúvidas, de aspectos nem sempre fáceis de serem definidos. A primeira evidência desta caminhada espiritual é que se trata de uma missão plural, que não tem um rosto único. Ela se diversifica conforme as situações e os caminhos que se percorrem.


Uma espiritualidade de diálogo e solidariedade


Vivemos na época da globalização. As vítimas das torres de Nova York, em setembro de 2001, pertenciam a 80 nacionalidades diferentes. Em certas megalópoles, como Los Angeles, falam-se cem línguas diferentes. Nas nossas cidades, cada vez mais os rostos das pessoas revelam um cruzamento planetário de culturas, religiões e etnias. Esta é, sem dúvida, uma nova terra de missão, que não estava na geografia dos tempos passados. Devido à técnica e aos meios de comunicação, de informação e de circulação, as fronteiras territoriais perdem cada vez mais sua importância. Com a mobilidade das massas e dos povos, bem como pelo impacto dos valores globais sobre os locais, uma cultura identifica-se cada vez menos com um território.


Também a missão geográfica começa a ter cada vez menos peso na geografia da evangelização. A missão ad gentes (para os povos não-cristãos) torna-se uma missão ad omnes (para todos), sem fronteiras. Não é por acaso que a crise da missão, nos meados do século 20, coincidiu com o fim da Era Colonial e do modelo ultrapassado de missão. E também não é por acaso que a missão ad tempus (temporária) do voluntariado e dos leigos missionários emerge, hoje, num contexto em que se muda de profissão várias vezes na vida, e a mobilidade das pessoas entra na rotina do dia-a-dia.


Nossa aldeia global é atravessada por divisões e fraturas, que fazem de nós estrangeiros uns dos outros. Pessoas que vivem no mesmo lugarejo, mas que são estranhas umas às outras, que não se conhecem, que não se compreendem, e que por vezes vivem em conflito religioso, de vida e de valores. A pós-modernidade é o reino do subjetivo, do descartável, do individualismo.


Estas linhas de fratura não separam só as diferentes partes do mundo: o Norte e o Sul, o mundo desenvolvido e o que se diz em desenvolvimento. Elas atravessam os centros das grandes cidades, dividem os que têm água potável dos que não têm água nem para se lavar; os internautas e os que não têm acesso à escola; o nativo e o imigrante, o cristão e o muçulmano, o branco e o negro, o incluído e o excluído...


Até há pouco tempo, a Colonização oferecia à missão os territórios a evangelizar, as terras dos infiéis, a infraestrutura, como o transporte dos missionários, o apoio logístico, a proteção militar, o modelo de missão, os valores a promover e até as metáforas da retórica colonial. A missão ad gentes identificou-se com a evangelização de um determinado território, confiado a um instituto missionário. Não é de se estranhar, pois, que São Paulo seguisse o itinerário das rotas comerciais e das vias imperiais de seu tempo.


Viver hoje a missão é ultrapassar constantemente fronteiras que separam as línguas, etnias, culturas e religiões, além do crescente abismo entre ricos e pobres. As metáforas da missão se exprimem em termos de solidariedade, caminhada com os pobres, diálogo, partilha. Esta espiritualidade reclama a aceitação do pluralismo como bênção e oportunidade para construir um mundo diferente. As religiões não são barreiras, mas caminhos diferentes para Deus se manifestar.


Uma nova abordagem das religiões é necessária para que todas elas colaborem no movimento da humanidade para Deus. Nossos inimigos são o pecado, o mal, e não as outras religiões. Cada cultura faz emergir diferentes aspectos do Evangelho. Seu encontro pode enriquecer a todos, tanto culturalmente, quanto sob o ponto de vista evangélico.


A missão exige do missionário grande disponibilidade e atenção constante aos sinais dos tempos, para discernir a ação do Espírito e tornar-se instrumento nas suas mãos. Já nos distanciamos da missão concebida como salvação das almas, ou como serviço à Igreja, com a finalidade de converter o maior número de pessoas à verdadeira fé ou de criar comunidades eclesiais, dotadas de ministérios e das estruturas que lhe permitissem funcionar autonomamente.


Em geral, hoje o missionário não insiste só na Redemptoris Missio, que é focalizada na evangelização dos que não conhecem Cristo, mas também na Evangelii Nuntiandi e na Populorum Progressio, em que se afirmam os valores do Reino e da pessoa. Em termos conciliares, a missão, hoje conjuga o Ad Gentes junto com a Gaudium et Spes.


Uma espiritualidade kenótica (do despojamento)


A maior parte dos missionários vê, ao entrar em outra cultura, mais que o testemunho da solidariedade entre as Igrejas. O despojamento cultural nos abre ao acolhimento do outro. É passar para o outro lado. É uma kénose (anular-se) à imagem de Cristo, que se despojou de suas seguranças, para identificar-se com aqueles a quem foi enviado. Deixar a sua terra é, antes de tudo, deixar a si mesmo, “descalçar-se”, perder as próprias seguranças, depor as armas, sair de si, para deixar-se acolher por outra cultura, onde o Espírito já se encontra e nos espera. O despojamento é necessário para captar os caminhos do Espírito já presente na missão. É Ele que precede o missionário e lhe indica os caminhos.


O missionário é, assim, o primeiro a ser evangelizado no seio daquele povo. O Espírito está presente não só na história que o missionário vai encontrar, mas também na cultura e até nas crenças religiosas, como também na sua vida diária. É um despojamento que permite ao missionário discernir e descobrir um novo rosto de Cristo encarnado naquele povo, vivendo a sua história e os seus valores. A missão é, sobretudo ajudar o povo a fazer esta descoberta. É uma kénose, feita de disponibilidade total, de abertura ao outro, de escuta, de silêncio, de contemplação. A missão é mais paixão que ação. Trata-se de se deixar moldar pela missão, de se tornar permeável no encontro com o outro e de acolher o dom alheio.


Com uma espiritualidade kenótica, os missionários atravessam fronteiras, não como quem dá, mas como quem recebe. Eles não vão para a terra de missão com avançadas tecnologias para modernizar o subdesenvolvimento, com uma cultura superior para civilizar os bárbaros, com uma religião para acabar com as superstições, ou com uma série de verdades reveladas para ensinar aos ignorantes. A espiritualidade kenótica faz do missionário uma pessoa da outra margem, do outro lado. Do outro lado da sua própria cultura, valores, língua-mãe, símbolos nativos, não no sentido de os rejeitar, porque ele tem também a doar, sobretudo a Boa Nova, mas no sentido de esvaziar-se deles, para acolher.


Daniel Lagni -ex-diretor das POM.

 

 

 

MÍSTICA E ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA

 

 

1. MÍSTICA


O mundo em que vivemos sofre transformações constantes. O ser humano vive ameaçado por idéias incompatíveis com o projeto de Deus (neoliberalismo, globalização, exaltação do homem...) e sofre interferências que nem sempre respondem aos seus anseios e expectativas. É nesse sentido que podemos falar de convicção cristã. Dela nasce a mística da nossa missão. A mística não se compra em farmácia, como um remédio, mas se adquire através da sintonia com Deus, no silêncio e na partilha, em comunhão e solidariedade com a caminhada do povo. Mas é algo invisível. Não se vê, não se toca, mas se experimenta. É uma experiência muito importante. É como o ar que respiramos. É como as raízes de uma planta: não aparecem, mas sustentam a vida.


Mística não é uma palestra sobre assuntos religiosos, catequese, curso bíblico...É algo profundamente existencial: tem a ver com nossos anseios, nossos sonhos e frustrações. Está ligada a nossa presença neste mundo e, ao mesmo tempo, à nossa sede do absoluto, do eterno. Alcança o íntimo de nosso ser. Mexer com emoções, sentimentos, atitudes, opções...Mística cristã é algo que se experimenta e se vive diariamente. É uma relação profunda com o amor misericordioso do Pai (Lc 15), com a pessoa de Jesus Bom Pastor (Jo 10) e verdadeira videira (Jo 15), com a força e o calor do Espírito Santo (Jo 20,21-23; Atos 1,8).


Mística é buscar na fonte que é Deus, a água que sacia nossa sede. Sede de amar e ser amado; de viver com intensidade a graça da vida; sede de experimentar a Deus e continuar buscando sem nunca bastar-se a si mesmo. O místico cristão é um mártir comprometido. Dá provas concretas naquilo que acredita.

 

 


2. MÍSTICA-COMUNHÃO E MISSÃO


Para Jesus, a mística era um encontro profundo e íntimo com o Pai: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,11). “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou a realizar a sua obra” (Jo 4,34).


Para o apóstolo Paulo, a mística era profunda comunhão com a pessoa e a prática de Jesus: “Para mim, o viver é Cristo” (Fl 1,21). Mística e missão são inseparáveis. Marcham a unidade e a profundidade do amor de Deus com a vida humana, levando a um engajamento gratuito e eficaz a favor da vida. A falta de engajamento eficaz, gratuito, fiel, permanente, verdadeiro e libertador tem a ver com a ausência de mística. A crise do mundo é a crise de mística. Os profetas, todos eles, foram místicos e missionários ao mesmo tempo.


Jesus, que viveu em comunhão íntima com o Pai, foi por excelência, o missionário da vontade do Pai. Ele era o enviado do Pai para pregar a boa nova (Mc 1,38-39). “O Espírito do Senhor está sobre mim...para anunciar a Boa Notícia aos pobres, enviou-me para proclamar o ano da graça...a libertação aos presos...”(Lc 4,18-21).


Aos fariseus e doutores da lei, que criticavam suas ações, Jesus dá razões de sua missão, através de três parábolas. Estas falam do amor carinhoso e misericordioso do Pai para com os últimos, os marginalizados (Lc 15, 1- 32). A parábola da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo.


Missão, portanto, não é luxo, não é tarefa de um grupo escolhido. Missão verdadeira nasce do batismo, profundamente enraizado na pessoa de Jesus Salvador e libertador. Missão é questão de amor. A experiência do amor faz sair de si para ir ao encontro do outro. Gera verdadeiro sentido de vida e de vida plena, como Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

 

 


3. FUNDAMENTAÇÃO DA VIDA CRISTÃ: SEGUIR JESUS


O chamado é para escutar Jesus e é para segui-lo: partilhar de sua vida, de suas necessidades, de sua missão (fazer a vontade do Pai). Por esta vocação cristã, somos chamados:
A. a seguir Jesus, o JESUS pessoa, mensagem de vida, ensinamento e missão (cf. Lc 9, 57-62; 14, 25-27; 18, 18-30),
B. a viver as bem aventuranças (Mt 5, 1ss; 6, 20-38), e a realizar os valores do Reino.
C. a dar continuidade a sua obra e missão na terra (Mt 28, 16-20); Mc 16, 15-20; Jo 20, 21-23),
D. a anunciar a esperança do reino futuro (Lc 21, 29-36; 12, 35-46).
A incorporação em Cristo e na Igreja: Para ser seguidor de Jesus e membro de sua Igreja, a pessoa precisa:
a)ser iniciada por meio da evangelização, da catequese e dos sacramentos;
b) dado sua adesão pessoal ao Senhor e ter aceito o Senhor e a sua Igreja, pelo ato de fé,
c) participar da vida da Igreja, por um profundo sentido de eclesialidade;
d) comprometer-se com a missão de Jesus e de sua Igreja, tanto “ad intra ecclesiae” como “ad extra ecclesiae”, na
plenitude de direitos e deveres na Igreja.


No BATISMO somos chamados a ser na Igreja:
a) filhos de Deus (Ef 1,5),
b) criaturas novas (2Cor 5, 17; Gal 6, 15),
c) templos do Espírito (1Cor 6, 19-20),
d) membros vivos do Corpo de Cristo (1Cor 12, 4-13),
e) comprometidos a manter a unidade, o amor e a paz do mesmo Espírito em
“um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4, 1-6).

 

 

 


4. ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA


É viver “segundo o Espírito” e não “segundo a carne” (Rm 8,1-17).É antes de tudo, um estilo de vida. Vida segundo o Espírito não é questão de gritar: “Amém, Aleluia, Viva Jesus”. É viver iluminados e conduzidos pelo projeto de Jesus, o Bom Pastor (Jo 10) que conhece as ovelhas, vai à frente delas, as guia e orienta, levando-as às melhores pastagens. O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas com um amor de doação total. A espiritualidade e a mística cristã geram a missão. Porém, não é qualquer tipo de missão. Uma missão em defesa da vida, que liberta e transforma. Quem abraça essa mística e a espiritualidade cristã vive uma nova maneira de ver, sentir e viver o cotidiano.


A espiritualidade segundo o Espírito de Jesus é estar “cheio do Espírito e educado pelo Espírito” (Lc 4,10), que nos conduz também a:
• Viver com Ele: para viver com Jesus, é fundamental e indispensável, compreendê-lo como é enviado e quem ao mesmo tempo nos envia (RM 88). Isso exige de nós, comunhão íntima com Cristo para que o descubramos presente e atuante, onde já está: nas culturas, nos vários sinais do Reino e, sobretudo, na liturgia Eucarística.
• Viver como Ele: Assemelhar-nos a Ele: em mentalidade, critérios, maneira de sentir e atuar em atitudes e em ações. Com humildade e obediência, entregamos nossa vida ao estilo de Jesus. É o Espírito Santo que vai realizando esta transformação em nós para vivermos como Ele. Isto exige ser “discípulo” e “testemunha”, pôr à disposição de Jesus nossa pessoa, vida, coração, mente e bens. Isto se consegue com a docilidade plena ao Espírito.
• Unirmo-nos a Ele: Jesus prometeu estar no meio de nós, guiando, ensinando e atuando como Bom Pastor. O amor é o mandamento principal para a vida de comunidade. Exige de nós compartilhar a palavra, a fraternidade e o serviço à Igreja missionária.
• Ir com Ele: A expressão desta espiritualidade é a disponibilidade missionária. Ir com Ele, em seu nome, com seu poder.
• Dar a vida com Ele: O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas com amor até as últimas conseqüências.
Assumir este estilo de vida é o que se chama de caridade apostólica.

 

 

 


5. TRAÇOS DA ESPIRITUALIDADE DO MISSIONÁRIO

 


A espiritualidade deve ser vivida em todos os lugares, segundo o espírito de Deus. Nele, continuamente, podemos abastecer nossa vida. E a espiritualidade missionária? Se é espiritualidade, deve ser missionária. Não há separação. A missão exige uma espiritualidade específica. O missionário de Jesus não se pertence, mas pertence à missão, a mesma missão de Jesus.


O missionário é alguém que anda pelos caminhos do povo. Conhece as pessoas pelo nome e procura tira-las do anonimato. Ele ama, sobretudo os mais pobres, defende e valoriza a vida, a exemplo de Jesus. O missionário é aquele que aprende a relacionar-se de forma igualitária. Conhece suas fragilidades e demonstra a capacidade de perdão. Caminha com o povo. É criativo e utiliza suas potencialidades para dar sentido a vida do povo. Ao mesmo tempo, ama a nossa Igreja e respeita as demais confissões religiosas. Não é um sujeito fechado, autoritário, interesseiro nem mesmo usa o nome de Jesus em proveito próprio. Ele sabe que a melhor maneira de anunciar Jesus é testemunhá-lo no cotidiano da vida, lutando, acreditando.


O missionário rompe barreiras. Ele não é um inocente inútil, manipulado. Possui uma consciência crítica da realidade. O missionário vê a realidade com o mesmo olhar de Jesus. O missionário deve ser um contemplativo na ação, testemunha das bem-aventuranças, anunciador da Boa Nova e sinal do Reino definitivo. A espiritualidade do missionário reflete a experiência de despojamento de João Batista: “É preciso que Ele cresça e eu diminua” (Jo3,30).


O missionário precisa viver a intimidade com Deus, entregar-se a Deus confiante no amor. Confiar em Deus tem como conseqüência ver com bons olhos aqueles que Ele criou com amor. Um bom missionário em qualquer tipo de missão, tem que ser poeta e profeta, gostar de flores, de música, de festa...Precisa temperar a justiça com ternura, a beleza, o sentimento. Não se pode viver a missão de cara fechada, como se fosse uma guerra, sem espaço para doçura, as amenidades da vida.

 

 

Ser hóspede na casa do outro.

 

O missionário além fronteiras é um hóspede que estabelece sua morada na casa de outro povo e de outra cultura.
O Ser hóspede cria uma situação de dependência em relação a outro povo e outra cultura. É obrigação do hóspede apreciar e aceitar o que é oferecido, qualquer que seja a oferta. Não cabe a ele selecionar e mudar. Vive a gratuidade de ser acolhido, de ser recebido, de ser alimentado e de ser incluído no mundo do outro. Sua casa é casa do outro, não lhe pertence. É casa emprestada na morada do outro. É casa sagrada. Entra como hóspede nas relações familiares e grupais, procurando ocupar o lugar que lhe cabe sem invadir o espaço do outro. O ritmo da vida lhe é imposto pelos parâmetros culturais, abrindo caminho nas relações já estabelecidas. O hóspede não incomoda, não é arrogante e orgulhoso. É hóspede porque recebe, na gratuidade, o dom de ser acolhido. O hóspede recebe a hospitalidade e torna-se amigo. Não vai para outro povo e outra cultura para ser venerado. Ele aceita a riqueza da cultura, a beleza da língua, o gosto da cozinha e a amizade de quem o hospeda.


O hóspede cria sempre um sentido de mal-estar e abala a normalidade das relações do outro. Ainda não é familiar e quase nunca vai ser. Sua história de vida e sua visão de mundo não bate com a história de vida do grupo. Ele precisa pisar devagar sobre um terreno úmido, movediço ou duro. A maneira de colocar o pé e os dedos no chão diferenciam seu jeito de caminhar do outro. O hóspede é sempre uma ameaça, um intruso, alguém que põe em perigo a tranquilidade e a serenidade da identidade já estabelecida. A dureza da pele, os calos nos pés, o jeito de locomover-se, o movimento de suas mãos é diferente e o outro o vê com apreensão e medo. Através da relação, os medos são espantados, superados e negados. Ou talvez, os mesmos medos são exacerbados, aumentados e engrandecidos. É preciso muito tempo para que os hóspedes sejam aceitos, mas quase nunca chega a ser membro da família.


O Ser hóspede não é fácil, mas é uma necessária condição do missionário, quando passa de uma cultura a outra. É sobre essa base que devem ser estabelecidos novos relacionamentos e ocupados os espaços permitidos. É nessa situação de hóspede que o missionário comunica e apreende, ensina e partilha, transmite e recebe, sabendo que o Espírito de Deus antecede sua chegada.